Sunday, October 29, 2006


















Calvário - Consultório odontológico

João Paulo Medeiros
Crônica construída e vivida em 22/04/2006



O relógio não havia soado as duas da tarde quando pus meus olhos na porta de entrada e li o que nela estava escrito em letras garrafais: “Seja bem vindo e sinta-se à vontade”. Alguns já estavam lá, naquele lugar detalhadamente repleto de luxo e alegorias. Cadeiras que mais pareciam tesouros arqueológicos trazidos do Egito Antigo, luzes amenas e categoricamente posicionadas, ar e plantas limpas e hospitaleiras. Tudo, em teoria, capaz de garantir o conforto e a agradabilidade necessária a qualquer humano.

Sim, quase que esqueci. Ali também se encontrava a recepção. Não tão ensaiada como os demais objetos, mas sempre a exibir palavras e sorrisos falsos para todos.

Porém aquele ambiente é para todos vida e morte ao mesmo tempo. Indispensável como a primeira, igualmente temido e inevitável tal qual a segunda. Os que por inocência ou desleixo adiam suas idas ali, um dia ou outro pagam com gemidos as marcas pretas deixadas pelo tempo. “E eu?”, pensava comigo, “quantos gritos valerão o meu castigo?”.

Entre aquele dia e o último que freqüentei um local semelhante passaram-se mais de ano; e isso apressava ainda mais meu pobre coração descompassado. Tomei coragem. Dirigi-me ao moço anotador de maledicências e acertei a minha primeira sessão de agonias.

Percebendo que não era o único apavorado no recinto, esperavam na fila três ou quatro condenados, e até satisfeito – a maldade conforta o homem com a desgraça alheia – quebrei o silêncio de todos e perguntei a um deles:

- Não há quem não tema esse lugar, hein?

Cara lisa e amarelada, olhos fundos e a implorar por clemência, com suas mãos suadas e ligeiramente resfriadas pelo pavor a que permaneciam expostas, ele respondeu-me temeroso:

- É rapaz, todo mundo sente um friozinho na barriga quando chega aqui.

Um outro que estava um pouco mais distante completou: - Tenho 43 anos, mas todas as vezes que venho aqui revivo o mesmo medo que sentia quando criança.

Depois disso, o medo e a melancolia calaram os meus inseguros lábios, apenas prossegui sentado ali por mais alguns enfadonhos momentos. Até que uma senhorita colocou sua cabeça e mãos brancas para fora de uma segunda porta e disse: - João Paulo!

Entrei na dita porta que dava para uma sala apertada, soltei o meu corpo sobre uma nebulosa poltrona cor de marfim e apertei todos os meus há tempos endurecidos nervos. A moça que a operava sugeriu educadamente que eu abrisse minha boca. Assim o fiz; em seguida o meu cérebro, atormentado com tamanha dor, não me deixou pensar em mais nada.